A Escravidão Mudou

 Em um passado não muito distante as nações lutavam entre si pelos interesses econômicos de sempre - minérios, posição estratégica, mercados, etc.. O povo vencido era transformado em escravo perdendo a liberdade de fato ou era submetido a leis e decretos que o fazia gerar riqueza para os vencedores. Mas a submissão era feita pela força de exércitos ou polícia extremamente violentas que puniam exemplarmente qualquer tentativa de rebelião. Às vezes passavam-se anos ou décadas para que surgisse uma possibilidade de libertação do povo oprimido. A História está repleta de casos assim sempre nos oferecendo heróis da liberdade e atos de bravura.  

  O povo que era submetido a essa escravidão sempre sonhava com a futura liberdade mesmo que esta fosse remota. A sua vida e sobrevivência eram norteadas pela possibilidade; era um sonho coletivo. Existia na sociedade oprimida uma consciência coletiva de que a libertação era possível; era questão de tempo, organização e paciência. Em determinado momento histórico aconteciam fatos que aceleravam a revolução e havia a tão sonhada libertação ou ao menos uma modificação nessa direção.

  Para manter a dominação, os vencedores precisavam manter um sistema de vigilância e controle que custavam muitos investimentos e recursos que às vezes não compensavam mas que tinham que continuar a existir pois a geopolítica do momento exigia. No limite, era difícil manter a situação, masprecisava ser mantida para servir de exemplo; era a dominação pela dominação. E assim passavam-se anos e novas tentativas de invasão e posterior dominação às vezes eram postergadas devido aos custos citados. E o mundo caminhava...

  Novas tecnologias foram sendo desenvolvidas, melhoradas, superadas. Chegou-se a um nível tecnológico jamais imaginado nem pelo mais brilhante visionário do futuro nem pelo mais genial dos escritores de ficção. Comunicação instantânea e em massa, viagens a grandes distâncias em tempos diminutos, curas de doenças inimagináveis, armas destruidoras com precisão cirúrgica, capacidade infinita de obter informação sobre qualquer tema desejado.

  Mas como continuar a exercer dominação sobre os outros e a um custo mínimo ou até mesmo com lucro? Simples. Usando esta mesma tecnologia para tirar do indivíduo a noção de que ele está sendo dominado e dando a ele a impressão de que ele está no domínio da situação; de que ele é o mandante de tudo.

  Dá-se a cada cidadão a capacidade de se comunicar em tempo real com os outros, permite-se que ele comente, critique, emita opinião sobre tudo e sobre todos.Infunde-se no indivíduo a noção de que ele vive o esplendor da liberdade e de que ele é um agente modificador da sociedade. Ele pode comentar e discutir sobre tudo, criar núcleos de debate, gerenciar eventos de discussão, ir às ruas exigir os seus direitos. Leva-se esta noção de liberdade e poder ao infinito de tal forma que o cidadão acredita que ele atingiu o ponto máximo de sua influência social. Ele passa a não precisar mais lutar para conquistar as suas demandas sociais pois está  consciente de que já as atingiu.Basta fotografar um buraco no asfalto e mandar para uma rádio que o poder público vai tapá-lo, é só mandar um Whatsap para um médico do hospital e está criada uma vaga, com um simples e-mail para o diretor da escola de seu filho e o nível do ensino melhora.  Ele é um cidadão pleno.

  Está justamente neste ponto o lamentável engano mas ele não percebe pois perdeu a capacidade de análise do que realmente é a liberdade e para qual objetivo ela deve ser canalizada. É um cidadão que continua a ser explorado pelo mercado de trabalho mas ele não liga pois possui um doutorado e é professor universitário, ele possui um smartphone que o permite comentar de tudo mas ele não percebe que paga uma conta altíssima para a operadora, ele acredita que pode influenciar as decisões políticas nos parlamentos pois envia regularmente mensagens para o seu representante, acha que tem o domínio completo de sua mente mas é constantemente vigiado pelos mais absurdos aplicativos que baixa de graça, pensa que manda na sua vida mas é completamente monitorado por câmeras instaladas nos bairros que percorre. Imagina que é um cidadão pleno mas é um mero pagador de impostos e taxas e que nem questiona tal fato; ele é extremamente integrado na sociedade.Tem até grupo de discussão no Facebook !

  E assim, o que antes escravizava mas tinha de controlar e vigiar o escravizado, hoje continua a fazer o mesmo mas nem tem custos. Pelo contrário inventou um processo de dominação que ainda lhe traz grandes lucros e o dominado sente imenso prazer em fazer parte desse sistema pois nem imagina ficar sem o seu celular ou fora das redes sociais. Só de imaginar lhe dá calafrios, ele ama esse poder, ele venera o seus grilhões que hoje se chama smartphone e redes sociais.

Enfim, ele ama o seu Grande Irmão ! 






Um comentário:

  1. Excelente! Tiradentes, por exemplo, virou feriado por muito menos que isso… hoje a exploração é generalizada em todos os sentidos.

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